A MORTE DA FÉ – FICHAMENTO




HARRIS, Sam. A morte da fé. São Paulo: Companhia das letras, 2009

Capítulo um – a razão no exílio

Uma crença é uma alavanca que, uma vez acionada, move quase tudo o mais na vida de uma pessoa. p. 10

Parece haver um sério problema com algumas de nossas crenças e convicções mais caras acerca do mundo: elas estão nos levando, inexoravelmente, a matar uns aos outros. p. 11

As ideias que dividem um grupo de seres humanos do outro, e que os unem quando se trata de cometer assassinatos em massa, em geral têm raízes na religião. p. 11

A maioria das pessoas deste mundo acredita que o criador do universo escreveu um livro. Por infelicidade existem muitos livros desse tipo, e cada um alega que só ele, exclusivamente, é infalível. p. 11

Todos esses textos, porém, concordam perversamente em um ponto fundamental: o “respeito” pelas outras crenças, ou pelas opiniões dos descrentes, não é uma atitude que Deus aprova. p. 11

Assim, a intolerância é intrínseca a todos os credos. p. 12

A certeza a respeito da vida futura é simplesmente incompatível com a tolerância nesta vida. p. 12

Criticar as ideias de alguém a respeito de Deus e da existência futura é uma atitude considerada não diplomática, de uma forma que não ocorre quando se critica as ideias de alguém sobre física ou história. p. 12

Nossos avanços técnicos na arte da guerra acabaram por tornar as nossas diferenças religiosas incompatíveis com a nossa sobrevivência. p. 12

Palavras como “Deus” e “Alá” devem seguir o mesmo caminho de “Apolo” e “Baal” – do contrário, elas vão destruir o nosso mundo. p. 13

É claro que algumas pessoas de fé encontram consolo e inspiração em uma determinada tradição espiritual, mas estão plenamente comprometidas com a tolerância e a diversidade, enquanto outras estão dispostas a incendiar a terra inteira e reduzi-la a cinzas, se isso puser fim à heresia. p. 13

Os religiosos moderados também são portadores de um terrível dogma: eles imaginam que o caminho para a paz será aplainado quando cada um de nós aprender a respeitar as crenças não justificadas dos demais. p. 13-14

O próprio ideal da tolerância religiosa é uma das forças que estão nos levando para o abismo. p. 14

A fé religiosa perpetua a desumanidade do homem para com o homem. p. 14

Nem é preciso dizer que todos esses sistemas de crença rivais são igualmente imunes a provas concretas. p. 15

Alguém pode ser e não ser racional ao mesmo tempo. É apenas porque a Igreja foi politicamente refreada no Ocidente que as pessoas podem se dar ao luxo de pensar dessa maneira. p. 15

Existe, sem dúvida, uma dimensão sagrada na nossa existência. Mas veremos que para isso não é preciso ter fé em nenhuma afirmação impossível de se comprovar. p. 15

Não há mais provas para justificar uma crença na existência literal de Jeová e de Satanás do que havia para manter Zeus sentado em seu trono no Olimpo, ou Poseidon criando as ondas nos mares. p. 16

Dos americanos, 120 milhões creem que o Big Bang aconteceu 2500 anos depois que os babilônios e os sumérios aprenderam a fabricar cerveja. p. 16

Nós, como espécie, acabamos intoxicados pelos nossos mitos. Como é possível que, nessa única área da vida, a humanidade ficou convicta de que nossas crenças acerca do mundo podem pairar acima da razão e das provas concretas? p. 17

Os moderados de todas as religiões são obrigados a interpretar de forma vaga (ou simplesmente ignorar) boa parte de seus cânones, para poder viver no mundo moderno. p. 17

Quando teu irmão, filho da tua mãe, ou teu filho, ou tua filha, ou a mulher do teu seio, ou teu amigo que te é como a tua alma, te incitar em segredo, dizendo: Vamos e sirvamos a outros deuses! - deuses que nunca conheceste, nem tu nem teus pais, 7 dentre os deuses dos povos que estão em redor de ti, perto ou longe de ti, desde uma extremidade da terra até a outra - 8 não consentirás com ele, nem o ouvirás, nem o teu olho terá piedade dele, nem o pouparás, nem o esconderás, 9 mas certamente o matarás; a tua mão será a primeira contra ele para o matar, e depois a mão de todo o povo; 10 e o apedrejarás, até que morra, pois procurou apartar-te do Senhor teu Deus” – Deuteronômio 13,6-10
Você não vai ouvir nenhum cristão ou judeu moderado defendendo uma leitura “simbólica” de passagens desse tipo. p. 18

As portas de saída do literalismo não se abrem a partir de dentro. A moderação que vemos entre os não fundamentalistas não é sinal de que a própria fé evoluiu, mas produto de muitas marteladas da modernidade. p. 18

Mesmo a pessoa menos instruída entre nós sabe mais acerca de certos assuntos do que qualquer pessoa sabia há 2 mil anos – e grande parte desses conhecimentos é incompatível com as Escrituras. p. 19

A moderação religiosa não oferece nenhuma proteção contra o extremismo religioso e a violência religiosa. p. 20

O problema que a moderação religiosa apresenta para todos nós é que ela não permite que se diga nada de muito crítico acerca do literalismo religioso. p.  20-21

Ao deixar de viver segundo a letra desses textos, e ao mesmo tempo tolerar a irracionalidade dos que assim vivem, os moderados traem igualmente a fé e a razão. p. 21

Há um preço terrível a pagar por limitar o escopo da razão em nosso trato com os outros seres humanos. p. 21

Em vez de aplicar toda a força da nossa criatividade e da nossa racionalidade aos problemas da ética, da coesão social e até mesmo da experiência espiritual, os moderados apenas nos pedem para relaxar nossos parâmetros de adesão a antigas superstições e tabus, e ao mesmo tempo conservar um sistema de crenças que nos foi passado de geração em geração, vindo de homens e mulheres cuja vida foi simplesmente devastada por sua ignorância básica acerca do mundo. Em qual outra esfera da vida é aceitável uma tal subserviência à tradição? p. 22

Imagine se pudéssemos reviver um cristão instruído do século XIV. Esse homem se revelaria um total ignorante, exceto em assuntos de fé. p. 22

A religião, por ser apenas a manutenção dos dogmas, é uma área do discurso que não admite progresso. p. 22-23

Precisamos, por fim, reconhecer o preço que estamos pagando para manter a iconografia da nossa ignorância. p. 23

E se todos os nossos conhecimentos sobre o mundo desaparecessem de repente? Quais conhecimentos gostaríamos de retomar primeiro? p. 24

E quando, nesse processo de retomada da nossa condição humana, seria importante saber que Jesus nasceu de uma virgem? p. 24

E como nós haveríamos de reaprender essas verdades, se é que são de fato verdades? Lendo a Bíblia? Nosso passeio pelas prateleiras vai nos fornecer pérolas semelhantes da Antiguidade. p. 24

Para quem daremos o primeiro lugar no nosso mundo ressurreto? Jeová ou Shiva? p. 25

A maior parte daquilo que atualmente consideramos sagrado só é sagrado por uma única razão: porque foi considerado sagrada ontem. p. 25

A religião merece crédito tanto pelas guerras de conquista como pelos dias festivos e pelo amor fraternal. Mas em seu efeito sobre o mundo moderno a ideologia religiosa é perigosamente retrógrada. p. 26

A fé representa um mau uso absoluto do poder da nossa mente. p. 26-27

Quando imposta novamente a cada nova geração, ela nos torna incapazes de perceber o quanto do nosso mundo foi entregue, desnecessariamente, a um passado bárbaro e tenebroso. p. 27

Nosso mundo está sucumbindo rapidamente às atividades de homens e mulheres prontos a arriscar o futuro da nossa espécie por confiar em crenças que não deveriam resistir sequer a quatro anos de escola primária. p. 27

A religião continua sendo uma fonte viva de violência hoje em dia, tal como sempre foi em qualquer momento do passado. p. 27

Se a história revela qualquer verdade categórica, essa verdade é que o desamor pelas provas concretas traz à tona o pior que há entre nós. p. 28

O discurso deles é tal que são capazes de instigar um entusiasmo suicida por esses assuntos, sem provas de espécie alguma. p. 28

Quando será que vamos perceber que as concessões que já fizemos à religião no nosso discurso político não nos deixam sequer falar a respeito, e muito menos extirpar, a principal causa de violência na nossa história. p. 29

“Muitas mães foram trespassadas por espadas diante de seus filhos. Jovens foram desnudadas e estupradas em plena luz do dia, e depois... incendiadas. A barriga de uma mulher grávida foi aberta a faca, e o feto levantado para o céu na ponta de uma espada e depois atirado para uma das fogueiras que ardiam por toda a cidade.” – C. W. Dugger, Religious riots loom over Indian politics”, The New York Times, 27 de julho de 2002.
Esse não é um relato medieval, nem tampouco uma história fictícia ocorrida na Terra Média. A passagem acima descreve a violência que irrompeu entre hindus e muçulmanos na Índia no inverno de 2002. p. 29

Nem é preciso dizer que muitos muçulmanos são pessoas basicamente racionais e tolerantes, essas virtudes modernas provavelmente não são produtos da sua fé. p. 30

O terrorismo não é uma causa da violência, mas simplesmente um dos seus caminhos. p. 30

Para perceber que nosso problema é o próprio islã, e não meramente o “terrorismo”, basta perguntar por que os terroristas muçulmanos fazem o que fazem. p. 30

Por que motivo 19 homens instruídos, de classe média, trocaram a vida neste mundo pelo privilégio de matar milhares de nossos vizinhos? Porque acreditavam que iriam direto ao paraíso por fazê-lo. p. 31

Por que então temos sido tão relutantes em aceitar essa explicação? p. 31

Há alguma coisa que a maioria dos americanos compartilham com Osama bin Laden, também acalentamos a ideia de que é possível acreditar em determinadas afirmações fantasiosas sem quaisquer provas que as sustentem. p. 31

As concessões que já fizemos à fé religiosa nos tornaram incapazes até de nomear uma das causas mais generalizadas de conflito no nosso mundo. p. 31

Aqui também a fé é a mãe do ódio, como acontece sempre que as pessoas definem sua identidade moral em termos religiosos. p. 33

Uma pessoa comum não pode comemorar a morte violenta dos seus filhos, a menos que acredite em várias coisas improváveis acerca do universo. p. 34

Se falarmos sobre os instintos mais baixos da nossa natureza, um dos primeiros tópicos devia ser a nossa disposição para viver, matar e morrer em nome de afirmações que não têm nenhum respaldo de provas concretas. p. 34

Muitos muçulmanos “moderados” afirmam que o Corão não ordena nada disso, e que o islã é uma “religião de paz”. Contudo basta ler o próprio Corão para constatar que isso não é verdade:
profeta, guerreia contra os descrentes e os hipócritas, e trata-os com rigor. O inferno será a morada deles: um mau destino”. (Corão 9,73)
Crentes, guerreais contra os infiéis que vivem ao vosso redor. Tratai-os com firmeza. Sabeis que Deus está com os justos”.  (Corão 9,123)
p. 34

Uma vez que alguém é muçulmano essa pessoa sentirá desprezo por qualquer homem ou mulher que duvidar da veracidade dessas convicções. E mais, sentirá que a felicidade eterna dos seus filhos está em perigo devido à mera presença desses descrentes sobre a face da terra. p. 35

O fundamentalismo religioso no mundo em desenvolvimento não é, principalmente, um movimento de pessoas pobres e sem instrução. p. 35

Por que tantos muçulmanos estão ansiosos para se transformar em bombas vivas? Porque o Corão faz essa atividade parecer uma oportunidade de carreira. p. 35

Qualquer pessoa que diga que as doutrinas do islã não têm nada a ver com o terrorismo está apenas brincando com as palavras. p. 36

Sim, o Corão parece dizer algo que pode ser interpretado como uma proibição ao suicídio – “Não destruas a ti mesmo”. (4,29) –, mas deixa muitas brechas nessa lei, brechas tão grandes que por elas pode até passar um 767. p. 36

A resposta apropriada aos Bin Ladens deste mundo é corrigir a leitura que todas as pessoas fazem desses textos, exigindo provas nos assuntos religiosos, tal como fazemos em todas as outras áreas da vida. p. 38

Deus nos deu muito mais razões para matar um ao outro do que para oferecer a outra face. p. 38

Como pode qualquer pessoa ter a pretensão de saber que é desta ou daquela maneira que o universo funciona? Ora, porque é isso que dizem os nossos livros sagrados. E como sabemos que os nossos livros sagrados estão livres de erro? Porque os próprios livros dizem isso. p. 38

Existe muita coisa sábia, consoladora e bela nos nossos livros sagrados. Mas também há muitas palavras de sabedoria, consolo e beleza nas páginas de Shakespeare, Virgílio e Homero, e ninguém jamais assassinou estranhos aos milhares devido a inspiração que encontrou ali. p. 38-39

Deus (que, por motivos misteriosos, fez de Shakespeare um escritor muito melhor do que Ele mesmo) p. 39

Imagine um mundo em que gerações de seres humanos passassem a acreditar que certos filmes foram feitos por Deus, ou que determinado software foi programado por Ele. imagine um futuro no qual milhões dos nossos descendentes assassinem uns aos outros por causa de interpretações discordantes sobre Guerra nas estrelas ou o Windows 98. Será que qualquer coisa – qualquer coisa – pode ser mais ridícula? E, contudo, não seria mais ridícula do que o mundo em que estamos vivendo agora. p. 39

Alguém que não caísse nessa poderia supor que o homem, com seu medo de perder tudo aquilo que ama, criou o céu, juntamente com o guardião das portas do céu, Deus, à sua própria imagem. p. 40

Imagine que você foi ao médico para fazer exames de rotina, e ele lhe dá uma notícia terrível: você contraiu um vírus que mata 100% das pessoas infectadas. Esse vírus mutante se transforma tão depressa que o seu rumo é totalmente imprevisível. Ele pode ficar latente por muitos anos, até mesmo décadas, ou então pode matar você de imediato, dentro de uma hora. Pode causar infarto, derrame, inúmeras formas de câncer, demência mental e até suicídio; de fato, parece que não há limites para os seus estágios terminais. E, quanto às estratégias para evitar isso – boa alimentação, cuidados com a saúde, ficar de cama –, nada adianta. Pode ter certeza de que, mesmo se vivesse sem nenhum outro propósito além de manter esse vírus sob controle, você acabará morrendo, pois não há nenhuma cura à vista para ele, e a deterioração do seu corpo já começou.
Decerto a maioria das pessoas haveria de considerar esse diagnóstico uma notícia terrível – mas seria mesmo uma novidade? O fato de que a morte é inevitável não é um prognóstico exatamente igual? E a vida em si não tem todas as características desse vírus hipotético. p. 40-41

Nosso sentimento da realidade parece não incluir a nossa própria morte. Nós duvidamos da única coisa que não admite a menor dúvida. p. 42

O conceito de cada um sobre a vida após a morte tem consequências  diretas sobre sua visão de mundo. p. 42

Mas a moderação religiosa continua não criticando as certezas alheias nada razoáveis (e até perigosas). p. 43

Na nossa próxima eleição presidencial, um ator que lê a Bíblia regularmente derrotaria, quase com certeza, um cientista, físico ou astrônomo que não a lê. p. 43

Não há motivo para que a nossa capacidade de nos sustentar emocional e espiritualmente, não possa evoluir junto com a tecnologia, a política e o restante da cultura. p. 44

A máxima que diz que “Alegações extraordinárias exigem provas extraordinárias” continua sendo um guia razoável. p. 45

Um saudável ceticismo científico é compatível com uma atitude fundamental de manter a mente aberta. p. 45

De fato, “somos feitos do mesmo material de que são feitos os sonhos”, como diz Shakespeare em A tempestade. Desperto ou sonhando, nosso cérebro está envolvido, basicamente, com a mesma atividade. p. 46

Por vezes as pessoas têm experiências corretamente definidas como psicóticas. p. 47

O fato de que a maioria de nós prefere o amor ao medo, ou considera a crueldade errada, não é mais misterioso do que concordarmos em nossos julgamentos sobre o tamanho relativo dos objetos, ou sobre o sexo de alguém a partir do rosto. p. 47

A razão, aplicada como antisséptico, mesmo em grandes quantidades, não pode competir com o bálsamo da fé. Isso tem levado muita gente à conclusão, errônea, de que os seres humanos têm necessidades que só a crença em certas ideias fantásticas pode satisfazer. p. 48

Não precisamos ser irracionais para encher nossa vida de amor, compaixão, êxtase e admiração. p. 49

Crenças e convicções não pertencem, e nunca pertenceram, apenas à esfera privada. p. 49

No mesmo instante em que um cirurgião deixar de lado seus instrumentos e tentar suturar o paciente com uma oração, ou que um piloto tentar aterrissar um jato de passageiros apenas repetindo a palavra “Aleluia”, passaremos do domínio da fé pessoal para um tribunal de justiça. p. 49

Certas convicções são intrinsecamente perigosas. p. 50

Chegou a hora de admitirmos, desde os reis e presidentes até a população comum, que não há provas de que qualquer livro tenha sido escrito pelo criador do universo. p. 50

Os moderados religiosos são, em grande parte, responsáveis pelos conflitos religiosos no nosso mundo, pois as suas convicções fornecem  o contexto no qual a interpretação literal das Escrituras e a violência religiosa não podem jamais ser adequadamente contrapostos. p. 50

Qualquer exercício sustentável da razão deve, necessariamente, transcender os limites nacionais, religiosos e étnicos. p. 51

Ao acreditarem intensamente, sem provas, eles se isolam do mundo. p. 51

O fato de que no Ocidente não estamos mais matando gente por crime de heresia demonstra que as más ideias, mesmo que sagradas, não conseguem sobreviver para sempre à companhia das boas ideias. p. 51

Será que os muçulmanos deveriam, realmente, ter a liberdade de acreditar que o Criador do universo se preocupa com o comprimento das saias? p. 52

Para perceber o quanto a nossa cultura compartilha, hoje em dia, a irracionalidade da cultura dos nossos inimigos, basta substituir “Deus” pelo nome de algum deus do Olimpo cada vez que a palavra “Deus” aparecer em um discurso público. p. 52

Só a abertura às evidências e à argumentação pode garantir um mundo em comum para todos. p. 54

Nunca foi difícil encontrar-se com o Criador, mas daqui a cinquenta anos será facílimo não só encontrá-lo, como também arrastar para esse encontro o resto da humanidade. p. 55

Falar simplesmente em “memória” é quase o mesmo que falar em “experiência”. p. 57

A “liberdade de crença” (em qualquer aspecto que não o sentido legal) é um mito. p. 57

Certas convicções posicionam as pessoas que as adotam além do alcance de qualquer forma pacífica de persuasão, ao mesmo tempo que as inspiram a cometer atos de extraordinária violência. p. 59

Para que meu discurso seja inteligível para os outros – e na verdade para mim mesmo –, minhas convicções acerca do mundo devem ser basicamente coerentes. p. 61

Posso acreditar em uma informação, ou então na outra – ou posso acreditar que não sei –, mas em nenhuma circunstância é aceitável que eu acredite em ambas. p. 61

Nosso cérebro tem uma capacidade limitada de armazenamento, um número finito de lembranças distintas e um vocabulário finito, que fica em torno de 100 mil palavras, ou menos. p. 66

Não percebemos tanto do mundo quanto pensamos, uma vez que grande parte de uma cena visual pode ser subitamente alterada sem que notemos. p. 67

O filósofo irlandês Espinosa achava que a crença e a compreensão eram idênticas, ao passo que a descrença exige um ato subsequente de rejeição. p. 69

Nós monitoramos continuamente as expressões enunciadas (tanto as nossas como as alheias), em busca de erros. p. 69

Os seres humanos em geral relutam em mudar de ideia, p. 69

O fato de que eu me sentiria bem se existisse um Deus não me oferece a menor razão para acreditar na existência de um Deus. p. 71

A aposta de Pascal, o salto de fé de Kierkegaard e outros esquemas epistemológicos ilusórios não resolvem o problema. p. 71

As crenças religiosas, se quiserem representar convicções sobre a forma como o mundo é, devem ser comprovadas como quaisquer outras. p. 71

Se nenhuma mudança concebível no mundo puder fazer uma pessoa questionar suas convicções religiosas, isso prova que suas convicções não estão levando em consideração nenhum estado do mundo. E ela não poderia afirmar, portanto, estar representando o mundo, de forma nenhuma. p. 72

Milhões de pessoas estão dispostas a morrer por convicções sem justificativa, e aparentemente outros milhões estão dispostas a matar por elas. p. 72

O fato de que as crenças religiosas têm grande influência na vida humana não diz nada sobre a sua validade. p. 73

[fé é] “A certeza das coisas que esperamos, a convicção das coisas que não se veem” (Hebreus 11,1) p. 73

Vejamos agora como isso funciona: sinto uma certa “convicção”, muito emocionante, de que Nicole Kidman está apaixonada por mim. Como nós nunca nos encontramos, meus sentimentos são a única prova dessa paixão. Então posso dizer: meus sentimentos sugerem que Nicole e eu devemos ter uma ligação especial, até metafísica – se não, como eu poderia ter esse sentimento? Decido então acampar em frente à casa dela para me apresentar a ela. Vemos que esse tipo de fé é um negócio problemático. p. 73

Claro que cada um é livre para redefinir o termo “fé” da forma que achar conveniente e assim fazer esse termo conformar-se a algum ideal místico ou racional. Mas essa não é a “fé” que anima os fiéis há milênios. p. 74

A despeito dos consideráveis esforços de homens que tentaram esconder a serpente à espreita embaixo de cada altar, a verdade é que a fé religiosa é simplesmente uma convicção injustificada em questões de grande importância. p. 74

A ignorância é o verdadeiro valor nesse domínio – “Bem aventurados os que não viram e creram” (João 20,29) p. 74

Diante de alguma pequena evidência confirmatória, os fiéis se mostram tão atentos às provas quanto os condenados. p. 75

Nenhuma mudança neste mundo, ou no mundo em que eles vivem, poderia demonstrar a falsidade de muitas de suas convicções fundamentais. Nem o Holocausto levou os judeus a duvidarem da existência de um Deus onipotente e benevolente. p. 76

Todas as pretensões de conhecimento teológico deveriam ser vistas agora da perspectiva de um homem que estava começando seu dia no centésimo andar do World Trade Center na manhã de 11 de setembro de 2001. p. 76

Os homens que cometeram as atrocidades de 11 de setembro certamente não eram “covardes”, como foram repetidamente descritos pela mídia ocidental, nem tampouco lunáticos em qualquer sentido. Eram homens de fé – fé perfeita, aliás – e isso, como se deve finalmente reconhecer, é uma coisa terrível. p. 77

O fato de que crenças injustificadas podem ter uma influência consoladora sobre a mente humana não é um argumento a favor delas. p. 77

Todos os credos estão repletos de propostas terríveis e chocantes que não consolam ninguém. p. 77

Os fiéis, na verdade, têm a verdade em alto apreço. As pessoas de fé se arrogam nada menos que o conhecimento de verdades sagradas. Os fiéis nunca foram indiferentes à verdade; e, contudo, o princípio da fé os deixa despreparados para distinguir a verdade da falsidade nos assuntos que mais lhes importam. p. 78

Nós temos nomes para definir pessoas que têm muitas convicções para as quais não há justificativa racional. Se essas convicções forem extremamente comuns, chamamos essas pessoas de “religiosas”; caso contrário, provavelmente serão chamadas de “loucas”, “psicóticas” ou “delirantes”. p. 82

Embora as pessoas religiosas não sejam, em geral, loucas, suas crenças fundamentais certamente são. p. 82

O perigo da fé religiosa é permitir que seres humanos normais possam colher esses frutos da loucura e ainda considerá-los sagrados. p. 83

Quanto mais nos educamos, mais as nossas convicções nos chegam de segunda mão. Uma pessoa que só acreditar nas afirmações para as quais puder fornecer justificativas plenas, sensoriais ou teóricas, não vai saber quase nada sobre o mundo. p. 84

Karl Propper já disse que nós nunca provamos que uma teoria está certa; apenas não conseguimos provar que está errada. p. 86

Afirmar que uma dada teoria científica pode estar errada não quer dizer que está errada em todos os seus detalhes, ou que alguma outra teoria tem a mesma chance de estar certa. p. 86

Sabemos que nenhuma prova poderia validar muitas das crenças fundamentais do papa. p. 87

Talvez tenha chegado a hora de exigirmos que nossos semelhantes tenham razões melhores para manter suas diferenças religiosas, se é que essas razões existem. p. 89

O antissemitismo que construiu os fornos crematórios, tijolo por tijolo – e que continua bem vivo até hoje – chega até nós através da teologia cristã. Conscientemente ou não, os nazistas foram agentes da religião. p.91

Capítulo dois – À sombra de Deus

Uma leitura do Velho Testamento não só permite como exige que os heréticos sejam condenados à morte. p. 94

Além de exigir de nós obediência à risca a cada palavra da lei do Velho Testamento, parece que Jesus sugeriu, em João 15, 6, outros refinamentos na prática de matar hereges e incréus. p. 95

Claro que cada um pode interpretar Jesus metaforicamente como quiser. Mas o problema das Escrituras é que muitas de suas possíveis interpretações (inclusive a maioria das interpretações literais) podem ser usadas para justificar as maiores atrocidades em defesa da fé. p. 95

A Santa Inquisição começou formalmente em 1184, sob o papa lúcio III. p. 95

É importante lembrar, para que a barbárie geral da época não nos deixe insensíveis ao horror desses relatos históricos, que os agentes da Inquisição eram homens de Deus. p. 97

Sempre que um homem supõe que basta acreditar na verdade de uma afirmação sem provas, ele se torna capaz de qualquer coisa. p. 98

A Inquisição espanhola só cessou sua perseguição aos hereges em 1834, mais ou menos na época em que Charles Darwin partiu no Beagle e que Michael Faraday descobriu as relações entre eletricidade e magnetismo. p. 98-99

Embora os reformistas protestantes tenham rompido com Roma por uma série de razões, sua maneira de tratar seus semelhantes não era menos vergonhosa. p. 99

Will Durant: A intolerância é a companheira natural da fé vigorosa; a tolerância só viceja quando a fé perde certeza; a certeza é assassina”. p. 99-100

O casamento entre a razão e a fé coloca a sociedade numa rápida descida ladeira abaixo, com confusão e hipocrisia no topo e os tormentos do inquisidor esperando embaixo. p. 100

As bruxas provavelmente nem sequer existiam, e o número das mulheres assassinadas por essa acusação chega talvez a 40 mil ou 50 mil em trezentos anos. p. 101

Os relatos se assemelham, prisão com base em acusações sem prova; tortura para extrair confissões; confissões consideradas inaceitáveis até que os cúmplices fossem apontados; morte em fogo lento; prisão dos novos acusados. p. 101

Entre os muitos desastres que podiam se abater sobre uma pessoa no curso de sua curta e difícil vida, os cristãos medievais temiam, em especial, que um vizinho pudesse lançar um feitiço e assim destruir sua saúde ou boa sorte. Só o advento da ciência veio invalidar essas ideias e as fantásticas demonstrações de crueldade que elas originaram. p. 102

E foi assim que, durante séculos, homens e mulheres culpados de nada mais do que serem feios, velhos, viúvas ou doentes mentais foram condenados por crimes inverossímeis e assassinados em nome de Deus. p. 103

A Igreja só condenou oficialmente o uso da tortura no papado de Pio VII, em 1816. p. 106

Qualquer que seja o contexto, o ódio aos judeus é um produto da fé: a cristã, a muçulmana e também a judaica. p. 106

A gravidade do sofrimento dos judeus ao longo dos séculos, culminando com o Holocausto, torna quase impossível considerar que eles próprios tenham causado esses problemas para si mesmos. No entanto, em um sentido específico, isso é verdade. p. 107

O dogma do “povo escolhido”, embora seja pelo menos implícito na maioria das crenças, atingiu no judaísmo uma intensidade desconhecida no mundo antigo. p. 107

Se, por um lado, a demonização explícita dos judeus, como povo, exigiu a loucura da Igreja cristã, a ideologia do judaísmo continua sendo um para-raios que atrai a intolerância até os dias de hoje. p. 107

Os judeus religiosos creem ter uma aliança única com Deus. Em consequência, passaram os últimos 2 mil anos colaborando com os que os veem como diferentes, ao se considerarem de fato diferentes. p. 108

Os colonos judeus, ao exercerem sua “liberdade de crença” em territórios disputados, são hoje o principal obstáculo à paz no Oriente Médio. p. 108

Jesus era judeu, claro, assim como sua mãe. Todos os seus apóstolos também eram judeus. Não há nenhuma evidência a não ser nos tendenciosos escritos da Igreja surgidos depois, de que Jesus jamais tenha se considerado outra coisa a não ser um judeu entre judeus, buscando a realização do judaísmo. p. 108

Parece quase certo que o dogma cristão do parto virgem, e boa parte da ansiedade resultante a respeito do sexo tenham resultado de uma tradução errada do original hebraico. p. 109

Pode-se dizer que a civilização ocidental aguentou dois milênios de neuroses sexuais santificadas simplesmente porque os autores dos evangelhos de Mateus e Lucas sabiam ler hebraico corretamente. p. 109

A ênfase em milagres no Novo Testamento, juntamente com as tentativas de fazer a vida de Jesus corresponder às profecias do Velho Testamento, revelam o compromisso dos primeiros cristãos, ainda que hesitante, de fazer sua fé parecer racional. p. 110

O “salto de fé” é, na verdade, uma ficção. Nenhum cristão, nem mesmo os do século I, jamais se satisfez com isso. 110

Santo Agostinho, sempre dado a sectarismos, festejou a subjugação dos judeus e sentiu-se especialmente deliciado ao saber que eles foram condenados a vagar pela terra. p. 113

A doutrina da transubstanciação foi formalmente estabelecida em 1215, no Quarto Concílio de Latrão (o mesmo que sancionou o uso da tortura pelos inquisidores e proibiu os juseus de possuírem terras ou seguirem carreiras civis e militares). p. 114

Cristãos começaram a temer que esses biscoitos vivos pudessem ser submetidos a todo tipo de maus-tratos, e até mesmo tortura física, nas mãos de hereges e judeus. (Pode-se conjecturar por que ser comido não seria um tormento para o corpo de Jesus). p. 114

Relatos históricos sugerem que cerca de 3 mil judeus foram assassinados devido a uma única acusação por esse crime imaginário. p. 114

A ascensão do nazismo na Alemanha exigiu muito de “lealdade sem críticas”. p.115

Embora na Alemanha o ódio aos judeus se expressasse de uma forma predominantemente secular, ele foi um legado direto do cristianismo medieval. p. 116

Nada menos que dois terços dos que propunham oferecer “soluções” para o “problema judeu” defendiam abertamente o extermínio físico dos judeus – e isso, como observa Goldhagen, várias décadas antes da ascensão de Hitler. p. 117

Com a aprovação das leis de Nuremberg em 1935, a transformação do antissemitismo alemão estava completa. Os judeus passaram a ser considerados uma raça. p. 117-118

E é aqui que encontramos a cumplicidade aberta da Igreja na tentativa de assassinar todo um povo. p. 118

E as igrejas alemãs, para manter a ordem, foram por fim obrigadas a imprimir folhetos advertindo os fiéis a não atacarem os judeus convertidos durante o serviço religioso. p. 118

A cumplicidade mais sinistra da Igreja ocorreu quando ela decidiu abrir, voluntariamente, seus registros genealógicos para os nazistas, possibilitando assim rastrear a ancestralidade judaica de qualquer pessoa. p. 118

Goldhagen também nos lembra que nem um único católico alemão foi excomungado antes, durante ou depois da guerra, “depois de cometerem crimes iguais aos maiores na história da humanidade. p. 119

Nem um único perpetrador do genocídio conseguiu fazer o papa Pio XII franzir o cenho em uma atitude de censura. p. 119

Embora nenhum membro do Terceiro Reich – nem sequer o próprio Hitler – jamais tenha sido excomungado, Galileu só foi absolvido por sua heresia em 1992. p. 120

Querer saber como é o mundo nos deixa vulneráveis a novas evidências. Não é por acaso que a doutrina religiosa e investigação honesta raramente andam juntas no nosso mundo. p. 121

É bem sabido que certas autoridades do Vaticano ajudaram membros da SS a fugir para a América do Sul e para o Oriente Médio depois da guerra. p. 121

Membros do Vaticano também ajudaram judeus a fugir. É verdade. Mas também é verdade que essa ajuda dependia de saber se os judeus em questão tinham sido batizados ou não. p. 121

O fato de que certas pessoas realizam atos heroicos de bondade inspirados nos ensinamentos de Cristo não implica que seja sábio, ou necessário, acreditar que ele, exclusivamente, era o filho de Deus. p. 121

Não é preciso acreditar em nada que não seja devidamente comprovado para sentir compaixão pelo sofrimento dos outros. Nossa condição humana já é razão suficiente. A intolerância genocida, por outro lado, precisa sempre encontrar inspiração em outras partes. p. 121-122

Sempre que você ficar sabendo que pessoas começaram a matar civis de maneira intencional e indiscriminada, pergunte a si mesmo qual dogma elas estão seguindo. No que esses novos assassinos acreditam? Você descobrirá que é sempre – sempre – em alguma coisa absurda e irracional. p. 122

A história do cristianismo é basicamente a história da desgraça e da ignorância da espécie humana, e não do seu amor por Deus. p. 122

Embora o cristianismo tenha poucos inquisidores vivos atualmente, o islã tem muitos. É como se um portal no tempo tivesse sido aberto e hordas do século XIV estivessem se despejando no nosso mundo. Infelizmente, agora, elas estão equipadas com armas do século XXI. p. 122

Existem crenças boas e crenças más – e deve agora ser óbvio para todos que os muçulmanos estão bem mais próximos destas últimas. p. 123

Estudiosos muçulmanos inventaram a álgebra, traduziram os escritos de Platão e Aristóteles e deram importantes contribuições para diversas ciências nascentes numa época em que os cristãos europeus chafurdavam na mais profunda ignorância. p. 123

Pessoas de fé criaram quase tudo que tem valor no nosso mundo. também todas as conquistas humanas anteriores ao século XX foram realizadas por homens e mulheres que ignoravam por completo a base molecular da vida. Será que isso sugere que valeria a pena manter as ideias que a biologia tinha no século XIX. p. 124

O fato de que a fé religiosa deixou sua marca em todos os aspectos da nossa civilização não é um argumento a seu favor. p. 124

Um futuro em que o islã e o Ocidente não estejam mais à beira da aniquilação mútua é um futuro em que a maioria dos muçulmanos terá aprendido a ignorar a maior parte do seu cânone, e que a maioria dos cristãos tenha feito o mesmo. p. 125

As pessoas que acreditam que o islã deve comandar cada dimensão da existência humana, inclusive a lei e a política, hoje são geralmente chamadas não de “fundamentalistas” nem de “extremistas”, mas de islamitas. p. 126

O islã moderado – realmente moderado, realmente crítico em relação à irracionalidade muçulmana – parece quase inexistente. E, se existe, está conseguindo se esconder da mesma forma que fizeram os moderados cristãos no século XIV (e por razões semelhantes).

Zakaria observa que os muçulmanos que vivem no Ocidente em geral se mostram tolerantes para com as crenças alheias. Qual a minoria, mesmo radical, que não é “tolerante” para com a maioria? p. 131

O cristianismo e o judaísmo também podem ditar esse mesmo comportamento intolerante, mas já há séculos nenhum dos dois o faz. No entanto, sob o islã ele é uma realidade atual. p. 133

Se você acredita no que o Corão diz que é necessário acreditar a fim de escapar do fogo do inferno, você terá, no mínimo, simpatia pelas ações de Osama bin Laden. p. 133-134

Qualquer um que leia passagens como as citadas acima e ainda assim não veja a ligação entre a fé muçulmana e a violência muçulmana deveria consultar um neurologista. p. 141

O islã tem todos os componentes de um consumado culto à morte. p. 141 [O cristianismo também!]

O ponto-chave para os aspirantes a mártires parece ser o seguinte: contanto que você mate infiéis ou apóstatas “em defesa do islã”, Alá não se importa se você se suicidar durante o processo. p. 142

O povo mais sexualmente reprimido do mundo atual se sente atraído para o martírio devido a uma concepção de paraíso que mais lembra uma pintura de bordel. p. 146

O paraíso descrito não indica nada sobre o pós-vida, mas indicam muito sobre os limites da imaginação humana. p. 146

Os ideais de martírio e de jihad atropelam a lógica que permitiu aos Estados Unidos e à União Soviética passarem meio século empoleirados, com certa estabilidade, à beira do Armagedom. p. 147

Acabo de descrever um cenário plausível, no qual boa parte da população mundial poderia ser aniquilada devido a ideias religiosas que pertencem à mesma prateleira que o Batman, a pedra filosofal e os unicórnios. p. 148

“O islã tem fronteiras ensanguentadas” – Samuel Huntington. p. 149

Claro que nem só o islã é suscetível a passar por essa horrível transformação, embora esteja, neste momento da história, em uma ascensão sem paralelo. p. 150

Todos os homens e mulheres de bom senso têm um inimigo comum. É um inimigo tão próximo de nós, e tão enganador, que nós os respeitamos mesmo quando ameaça destruir a própria possibilidade da felicidade humana. Nosso inimigo não é nada mais, nada menos que a própria fé. p. 150

Será que alguém pode citar algo mais ofensivo para a dignidade muçulmana do que a própria lei islâmica? p. 151

Não há dúvida de que a nossa conivência com tiranos muçulmanos – no Iraque, Síria, Argélia, Irã, Egito e em outros lugares – é digna de desprezo. p. 151

A pobreza e a falta de escolaridade têm papel importante em tudo isso, e esse problema não tem soluções simples. p. 152

Esse grau de isolamento e atraso é chocante, mas não deve nos levar a acreditar que a pobreza e a falta de instrução são as raízes do problema. p. 152

Os militantes do Hezbollah que morrem em operações violentas em geral não provêm de famílias pobres. p. 153

Os líderes do Hamas são todos formados em universidades, alguns com diploma de mestrado. p. 153

Enquanto for aceitável que alguém acredite saber exatamente de que forma Deus quer que todos vivam neste mundo, vamos continuar a assassinar uns aos outros por conta dos nossos mitos. p. 153

Muitos liberais ocidentais, supondo que todos os povos são animados pelos mesmos desejos e temores, culpam seus próprios governos pelos excessos do terrorismo muçulmano. p. 154

Gente é gente em todo lugar, e não é possível que pessoas se comportem tão mal assim, a não ser que tenham boas razões para isso. [e eles têm! O deus conivente e assassino] . p. 155

O problema é que certas convicções não conseguem sobreviver com a proximidade de outras. p. 155

Existem outras ideologias capazes de eliminar toda a sensatez do discurso de uma sociedade, mas o islã sem dúvida é uma das melhores. p. 157

Sem dúvida não faltam exemplos de líderes políticos que evocam a religião por razões puramente pragmáticas, e até mesmo cínicas. Mas não devemos extrair daí uma dição errada. Uma alavanca só funciona se estiver apoiada em alguma coisa. p. 157

Quando um grande número de pessoas começa a se transformar em bombas humanas, ou oferece seus filhos como voluntários para limpar campos minados, a justificativa desses atos deixou de ser apenas política. p. 157

A Bíblia também é um grande reservatório de intolerância, tanto para cristãos como para judeus. p. 158

O problema sempre é colocado em todo lugar, menos no cerne da fé muçulmana. p. 158

Os Estados Unidos têm muitos erros a expiar, tanto na esfera doméstica como no exterior. Para fabricar em casa essa receita terrível, é só começar pelo tratamento genocida que demos aos americanos nativos, acrescentar dois séculos de escravidão e nossa recusa em receber refugiados judeus que escapavam dos campos de morte do terceiro Reich, misturar às nossas alianças com uma longa lista de déspotas modernos e a maneira como depois fechamos os olhos para seu abominável desrespeito aos direitos humanos, juntar o bombardeio do Camboja e os Documentos do Pentágono para dar mais sabor, e recobrir com nossa recusa em assinar o protocolo de Kyoto contra as emissões de gases de efeito estufa, nossa firme posição contra a proibição de minas terrestres e nossa recusa a nos submetermos às leis do Tribunal Penal Internacional. O resultado deve cheirar a morte, hipocrisia e enxofre. p. 161

O filósofo Peter Unger afirma, de modo convincente, que cada dólar que gastamos em qualquer coisa que não seja absolutamente essencial para nossa sobrevivência é um dólar manchado com o sangue de alguma criança faminta. p. 163

O governo dos Estados Unidos conferiu a si mesmo o direito e a liberdade de assassinar e exterminar as pessoas “para o próprio bem delas”. p. 163

Imaginar como teria sido qualquer um de nossos recentes conflitos se possuíssemos armas perfeitas. p. 164

Como teria procedido George Bush na recente guerra no Iraque com armas perfeitas? p. 164

O que fariam Saddam Hussein ou Osama bin Laden com armas perfeitas? p. 165

Nem todas as culturas estão no mesmo estágio de desenvolvimento moral. p. 165

Imagine os brutos e incultos americanos de 1863 de posse de armas químicas, biológicas e nucleares. Essa é mais ou menos a situação que enfrentamos hoje em boa parte dos países em desenvolvimento. p. 165 [?]

O massacre de My Lai é lembrado como um momento de grande vergonha para o Exército americano. Mesmo na época, soldados americanos ficaram mudos de horror ante o comportamento dos seus camaradas. p. 166

Enquanto cultura, é bem claro que nós superamos nossa antiga tolerância para com a tortura e o assassinato deliberado de inocentes. A maior parte do mundo ainda não fez isso. p. 166

Sempre que houver respostas certas e erradas para questões importantes, haverá formas melhores e piores para se chegar a essas respostas, e formas melhores e piores de colocá-las em prática. p. 167

Isso não quer dizer que sempre haverá uma única resposta certa para cada pergunta, ou uma única melhor forma de alcançar cada objetivo. Porém, o leque de soluções mais favoráveis para qualquer problema em geral será bem limitado. p. 167

Entre matar uma criança intencionalmente por causa do efeito que se espera produzir nos pais (chamamos isso de “terrorismo”), e matar uma criança sem querer, na tentativa de capturar ou matar um declarado assassino de crianças (chamamos isso de “danos colaterais”). Em ambos os casos uma criança foi morta, e em ambos os casos há uma tragédia. Mas o status ético dos atacantes, sejam eles indivíduos ou Estados, não poderia ser mais diferente. p. 168-169 [será mesmo? Sempre e em todo caso?].

Quando se trata de ética, a intenção é tudo”. p. 169 [o problema é que as intenções nem sempre são claras para todos, não é?]

Mas a “ascensão do fundamentalismo islâmico” só é um problema porque os fundamentalistas do islã são um problema. p. 170

Poucas formas para a tirania são mais poderosas do que “obedecer à lei de Deus” . p. 170-171

Se tudo que é bom nas religiões pode ser encontrado em outras partes, então todo o resto da nossa atividade religiosa representa, na melhor das hipóteses, um enorme desperdício de tempo e energia. p. 171

Quantas horas de trabalho humano serão devoradas hoje por um Deus imaginário? p. 171-172

A fé se tornou bastante moderada no Ocidente mas, mesmo assim, a religião continua tendo garras muito longas. As manifestações mais dóceis do cristianismo hoje colocam obstáculos insuperáveis à prevenção da AIDS e ao planejamento familiar no mundo em desenvolvimento, assim como obstruem a pesquisa médica e o desenvolvimento de uma política de drogas racional. p. 172-173

O que constitui uma sociedade civil? No mínimo, é um lugar em que as ideias – ideias de todos os tipos – podem ser criticadas sem risco de violência física. p. 173

Algo parecido com um braço militar da ONU que seja forte e bem financiado, juntamente com critérios claros para intervenções e um tribunal internacional que possa autorizá-las. Ou, dito de uma forma ainda mais simples: precisamos de um governo mundial. p. 174

Em vista do que a maioria das pessoas acredita acerca de Deus, é impensável, no momento atual, que os seres humanos algum dia cheguem a se identificar simplesmente como seres humanos, descartando outras filiações menores. p. 175

Não parece exagero afirmar que o destino da civilização está, em boa parte, nas mãos dos muçulmanos “moderados”. p. 175

Os fundamentalistas cristãos apoiam Israel porque acreditam que a consolidação final do poder judaico na Terra Santa trará a Segunda Vinda de Cristo e também a destruição final dos judeus. p. 178

Roy Moore, presidente do Supremo Tribunal do Alabama, achou que seria eficiente erigir um monumento aos dez mandamentos na rotunda do tribunal estadual. 78% dos pesquisados eram contra a remoção do monumento. É de se pensar se Roy Moore, John Ashcroft, o Congresso e três quartos do povo americano gostariam de ver os castigos por não cumprir esses santos mandamentos especificados também gravados no mármore e colocados nos tribunais do país. p. 178-179

É notável que sejamos o último país civilizado a condenar os “malfeitores” à morte, e o juiz Scalia atribui isso, com razão, ao nosso estilo de religiosidade. p. 182

Parece razoável afirmar que os homens e as mulheres que estão no corredor da morte têm maus genes, ou então maus pais, ou más ideias, ou má sorte. Por quais desses componentes eles são responsáveis? p. 182-183

Sem dúvida, há um importante debate a ser travado, na esfera secular, sobre a ética da pena de morte; mas é óbvio que devemos buscar fontes que mostrem mais compreensão da mente humana e da sociedade moderna do que as palavras de são Paulo. p. 183

Comportamentos como o uso de drogas, prostituição sodomia e olhar materiais obscenos foram classificados como “crimes sem vítimas”. Por que alguém desejaria punir quem se envolve em comportamentos que não implicam nenhum risco significativo de prejudicar ninguém? A ideia de crime sem vítima não passa da versão judicial da noção cristã de pecado. p. 184

A própria noção de privacidade é incompatível com a existência de Deus. p. 185

Não é necessário ser demógrafo para entender que o impulso de processar criminalmente pessoas adultas que realizam, de livre e espontânea vontade, comportamentos sexuais não reprodutivos se correlaciona fortemente com a fé religiosa. p. 186

O prazer e a religiosidade sempre tiveram uma relação desconfortável. p. 186

Qualquer coisa que possa eclipsar uma oração, ou a sexualidade reprodutiva, como fonte de prazer é considerada fora da lei. p. 186

A preocupação com a saúde dos nossos cidadãos, ou com sua produtividade, é uma mera cortina de fumaça nesse debate, como atesta a legalidade do álcool e do cigarro. p. 186

Como droga, a maconha é quase um caso à parte devido ao fato de ter várias aplicações medicinais, e por não apresentar uma dose letal comprovada. Seu papel como “portal de outras drogas” parece menos plausível do que nunca (e nunca foi plausível). Quem tentar argumentar seriamente que a maconha deve ser proibida devido ao seu risco para os seres humanos verá que os poderes do cérebro humano são insuficientes para elaborar essa argumentação. p. 187

Mais pessoas são presas por uso de drogas sem violência nos Estados Unidos do que são encarceradas, por qualquer razão, em toda a Europa ocidental que tem uma população maior. p. 188

É bem sabido, por exemplo, que a experiência com a proibição de álcool nos Estados Unidos só conseguiu precipitar uma terrível farsa de aumento no consumo de bebidas, crime organizado e corrupção policial. Mas falta lembrar que a Lei Seca foi um fato explicitamente religioso. p. 189

É a própria proibição que torna tão lucrativa a produção e a venda de drogas. p. 189

Os crimes cometidos pelos adictos para financiar o custo estratosférico de seu estilo de vida e os crimes cometidos pelos traficantes para proteger seus territórios e seus bens também são resultado da proibição. p. 190

Nossa guerra contra o pecado é tão ridiculamente tola que está praticamente além de qualquer comentário racional. p. 191

Sob perspectiva da fé, é melhor macaquear o comportamento dos nossos ancestrais do que encontrar formas criativas de descobrir novas verdades no presente. p. 191

Há outras fontes de irracionalidade que não as religiosas, claro; mas nenhuma delas é louvada por seu papel de formação de políticas públicas. A fé religiosa obscurece a incerteza ali onde a incerteza existe, permitindo que o desconhecido, o implausível e o indiscutivelmente falso ganhem primazia sobre os fatos. p. 192

Levando-se em conta o potencial de uma célula, cada vez que o presidente coça o nariz ele está realizando uma diabólica eliminação de almas. p. 193

Certamente causamos mais sofrimento nessa terra matando uma mosca do que matando um blastócito humano, e muito menos um zigoto humano (afinal, as moscas têm 100 mil células só no cérebro). p. 194

Só na área das políticas públicas, as acomodações que já fizemos para preservar a fé terão como resultado sacralizar a imensidade do sofrimento humano, pelas décadas que virão. p. 194

Sob a influência da ideia cristã de que é pecado fazer sexo antes do casamento, o governo dos Estados Unidos exigiu que um terço de sua verba para prevenção da AIDS alocada à África seja desperdiçada ensinando abstinência, e não o uso do preservativo. p. 194-195

Como observou Nicholas Kristof, “o sexo mata, e esse puritanismo envergonhado também mata”. p. 195

A religião separa, incisivamente, a ética do sofrimento. Os religiosos insistem que ações que não causam nenhum sofrimento são malignas, e, contudo, onde o sofrimento e a morte se encontram em abundância, em geral seus motivos são considerados virtuosos. Essa inversão de prioridades não só vitima pessoas inocentes e desperdiça recursos escassos como também falsifica completamente a nossa ética. p. 196

Será que a diferença entre o bem e o mal depende apenas da definição dada por um determinado grupo de seres humanos? p. 197

Uma abordagem racional da ética só se torna possível quando percebemos que as questões sobre o certo e o errado são, na verdade, questões sobre a felicidade e o sofrimento dos seres sencientes. p. 198

Chegou a hora de reconhecer que um crime sem vítima é como uma dívida sem credor. É algo que nem sequer existe. p. 198

Se há respostas certas e erradas para perguntas éticas, será melhor buscar essas respostas na nossa vida presente. p. 199

A ideia generalizada de que, de alguma forma, a religião é a fonte de nossas mais profundas intuições éticas é absurda. p. 199

Até mesmo os macacos escolhem passar por extraordinárias provações para não prejudicar algum outro membro da sua espécie. A preocupação com os outros não foi invenção de nenhum profeta. p. 199

Nós simplesmente não precisamos de ideias religiosas para nos motivar a viver a vida com ética. p. 199-200

As realidades biológicas simplesmente não combinam com um Deus arquiteto do design da natureza, nem tampouco com um Deus bondoso. p. 200

Vale a pena lembrar que, se Deus criou o mundo e tudo que nele há, ele também criou a varíola, a peste e a filariose. Qualquer pessoa que soltasse, intencionalmente esses horrores sobre a face da Terra seria reduzida a pó por esses crimes. p. 200

Um estudo detalhado de nossos livros sagrados revela que o Deus de Abraão é um sujeito ridículo – caprichoso, petulante e cruel –, e fazer um pacto com ele não garante a saúde nem a felicidade. p. 201

Se essas são as características de Deus, então vemos que os piores elementos da sociedade foram, realmente, criados à sua imagem e semelhança – mais, até, do que poderíamos esperar. p. 201

O problema de justificar um Deus onipotente e onisciente diante da presença do mal (chamado, tradicionalmente, de problema de teodiceia) é insuperável. Os que alegam ter superado a questão apelando para noções de livre-arbítrio, ou outras incoerências, simplesmente juntaram uma filosofia deficiente a uma ética deficiente. De certo há de chegar um tempo em que reconheceremos o óbvio: hoje a teologia não passa de um ramo da ignorância humana. Na verdade, é a ignorância com asas. p. 201

Será que os grilos sofrem? Parto do princípio de que essa pergunta é coerente e que ela tem uma resposta, mesmo que jamais sejamos capazes de dar essa resposta. p. 202

Enquanto não compreendermos melhor a relação entre o cérebro e a mente, nosso julgamento sobre o sofrimento animal permanecerá relativamente cego e dogmático. p. 203

Assim como os defeitos na percepção das cores podem resultar de disfunções genéticas e de desenvolvimento, também pode haver problemas nos nossos circuitos éticos e emocionais. p. 203

A maioria das nossas religiões, não dá apoio a uma genuína investigação da moral, assim como não dá apoio a uma investigação científica, de modo geral. p. 204

“O que pode ser afirmado sem provas também pode ser descartado sem provas” – Christopher Hitchens. p. 204

Em vez de encontrar as verdadeiras razões para a solidariedade humana, a fé nos oferece uma solidariedade nascida de ficções tribais, ou destinada a promover o tribalismo. p. 204-205

“Se tudo fosse questão de sentir dor, proteger os coelhos contra as raposas seria tão importante quanto proteger os judeus contra os nazistas” – Richard Rorty. p. 205

Como especificar os critérios de inclusão na nossa comunidade moral? Seja qual for a resposta, ela deverá refletir nossas noções sobre a possível subjetividade das criaturas em questão. p. 206

Muitos intelectuais falam como se algo tivesse acontecido no último século de raciocínio no Ocidente que colocou todas as visões de mundo mais ou menos em pé de igualdade. p. 207

As afirmações desse tipo geralmente levam o nome de “relativismo”, e parecem oferecer uma justificativa para não se dizer nada de muito crítico em relação às convicções alheias. p. 207

O relativismo moral, quando empregado como justificativa para a tolerância e a diversidade, é uma contradição. p. 208

Se concordarmos, por exemplo, que apedrejar as mulheres adultas é realmente errado, errado em qualquer sentido absoluto –, temos que encontrar razões profundas para rejeitar o pragmatismo. p. 208

Ser um realista ético é acreditar que na ética, assim como na física, existem verdades esperando para serem descobertas. p. 210

Diz Jürgen Habermas, “uma vez que a verdade das convicções ou das frases só pode ser justificada com a ajuda de outras convicções e outras frases, não podemos nos livrar do círculo mágico da nossa linguagem”. É uma proposição engenhosa. Mas será verdadeira? p. 210

O pragmatismo se resume a uma negação realista da possibilidade do realismo. p. 211

É concebível que todos possam concordar, e mesmo assim estar errados, sobre a forma como o mundo é. É também concebível que uma única pessoa possa estar certa em face de uma posição unânime. p. 211

Nossa investigação fica sempre em aberto; mas isso não significa que não haja fatos reais a serem conhecidos; e, sem dúvida, algumas das respostas que temos à mão são, realmente, melhores do que outras. p. 211

O termo “intuição” sempre teve um cheiro de algo impróprio no discurso científico e também no filosófico. p. 212

É falsa a tradicional oposição entre razão e intuição: a própria razão é intuitiva. p. 212

Também é verdade que nossa intuição pode falhar. p. 223

Qual seria a espessura de um pedaço de jornal se fosse dobrado sobre si mesmo cem vezes seguidas? A maioria de nós imagina algo do tamanho de um tijolo. Mas um pouco de aritmética revela que esse objeto teria a espessura de todo o universo conhecido. p. 213

A única maneira que temos de criticar o conteúdo intuitivo do pensamento mágico é recorrer ao conteúdo intuitivo do pensamento racional. p. 214

O fato de as boas ideias serem compreendidas intuitivamente não significa que as más ideias sejam mais respeitáveis. p. 214

A ética é mais que a mera constatação de que não estamos sozinhos no mundo. Para que a ética seja importante para nós, a felicidade e o sofrimento alheios também devem ser importantes para nós. p. 214-215

A descoberta de que a natureza parece ter levado em conta nossa intuição ética na seleção natural é importante apenas para mostrar o equívoco da falácia onipresente de que essa intuição é, de alguma forma, produto da religião. Mas a natureza também preservou, pela seleção natural, muitas outras coisas que deveríamos ter deixado para trás nas selvas da África. p. 215

Muita coisa que é “natural” na natureza humana está em conflito com o que é “bom”. p. 216

Como observa Steven Pinker, se realmente vivêssemos o mundo do ponto de vista dos genes, “os homens fariam fila diante dos bancos de esperma e as mulheres rezariam para poder doar seus óvulos para casais estéreis”. Não é assim que a maioria de nós busca a felicidade neste mundo. p. 216

Francis Bacon disse acertadamente que quem tem filho se torna refém do destino. p. 216

Tratar os outros de forma ética é agir levando em conta o sofrimento e a felicidade dessas pessoas. p. 216

O “amor” é sobretudo uma questão de desejar que os outros vivenciem a felicidade, e não o sofrimento; a maioria de nós percebe que o amor conduz mais à felicidade, tanto nossa quanto alheia, do que o ódio. Assim, descobrimos que podemos ser egoístas todos juntos. p. 217

O fato de desejarmos a felicidade das pessoas que amamos, e de nos tornarmos felizes por essa razão, é uma observação empírica. Algumas pessoas não conseguem entender a afirmação de que a passagem do tempo é relativa ao nosso esquema de referência. Isso impede que elas participem de qualquer discussão séria sobre física. As pessoas que não veem ligação entre o amor e a felicidade podem se encontrar na mesma posição em relação à ética. . p. 217

Não são raros os lugares onde uma garota de qualquer idade que seja estuprada traz vergonha para a família. Por sorte, essa vergonha não é indelével; pode ser prontamente expurgada com o sangue da própria moça. Por isso a prática é simplesmente cortar a garganta da garota, ou jogar gasolina e atear fogo, ou matar com um tiro. O que podemos dizer sobre esse comportamento? Podemos dizer que os homens do Oriente Médio, tão mortalmente obcecados pela pureza sexual feminina, amam menos suas esposas, filhas e irmãs do que os homens americanos ou europeus? Claro que podemos. Não há dúvida de que certas crenças são incompatíveis com o amor, e esse conceito de “honra” está entre elas. p. 219

A predisposição para amar implica a perda, ao menos até certo ponto, do nosso egocentrismo. A maioria de nós considera que decepar a cabeça de uma garotinha por ela ter sido estuprada não representa muito bem esses sentimentos. p. 220

Talvez exista alguma cultura em que você precise esfolar o seu primogênito vivo para expressar o seu “amor”. Mas, a não ser que todos nessa cultura queiram ser esfolados vivos, esse comportamento é simplesmente incompatível com o amor tal como o conhecemos. p. 221

Qualquer cultura que estimula os homens e os rapazes a matar garotas vítimas de desgraças, em vez de consolá-las, é uma cultura que conseguiu retardar o desenvolvimento do amor. p. 221

Como podemos aprender a ser simplesmente seres humanos, despidos de qualquer forte identidade nacional, ética ou religiosa? Podemos ser razoáveis. A razão não é nada mais do que a guardiã do amor. p. 221

É possível querer ser cada vez mais afetuoso e compassivo por razões puramente egoístas. p. 223

Ódio, inveja, rancor, aversão, vergonha – nada disso pode ser fonte de felicidade, pessoal ou social. O amor e a compaixão são. p. 223

Sempre que consentimos em jogar bombas, fazemos isso sabendo que algumas crianças ficarão cegas, serão evisceradas, se tornarão órfãs, paralíticas e até morrerão. p. 225

Três milhões de almas podem ter morrido de fome ou sido assassinadas no Congo, e a nossa mídia, dotada de mil olhos, como Argos, nem sequer pisca. No entanto, quando uma princesa morre em um acidente de automóvel, um quarto da população mundial entra em estado de profunda tristeza. Talvez sejamos incapazes de sentir o que precisaríamos sentir para poder mudar o nosso mundo. p. 228

A lua cheia que surge no horizonte não é maior do que a lua cheia no zênite, mas parece ser maior, por razões ainda obscuras para os neurocientistas. Basta segurar uma régua contra o céu e ela nos revela algo que somos incapazes de ver de outra forma, mesmo compreendendo que nossos olhos estão nos enganando. p. 231

Um único sociopata, armado apenas com uma faca, poderia exterminar uma cidade inteira de pacifistas. p. 232

Por que seria considerado ético salvar a própria felicidade na próxima vida, às custas da manifesta agonia de crianças nesta vida? p. 235

A vida sob o Talibã é, aproximadamente, o que milhões de muçulmanos ao redor do mundo desejam impor para o resto de nós. p. 236

É verdade que os lírios do campo têm roupagem admirável, mas eu e você saímos do útero nus, chorando e esperneando. p. 238

Por mais próximos que estejamos dos outros, nossos prazeres e sofrimentos são apenas nossos. p. 240

O fato de que uma droga como o Prozac tem o poder de aliviar muitos sintomas da depressão sugere que o sofrimento mental pode ser não mais etéreo do que uma pilulinha verde. Mas a flecha da influência voa para os dois lados. p. 240

Portanto, obviamente há mais coisas no sofrimento, mesmo da dor física, do que apenas a sensação de dor. p. 241

Descartes afirma que há duas substâncias no universo de Deus: matéria e espírito. Quando a ciência começou a lançar sua luz materialista sobre os mistérios da mente humana, o dualismo de Descartes passou a receber duros golpes. p. 241

Ainda que saibamos muitas coisas sobre nós mesmos em termos anatômicos, fisiológicos e evolutivos, atualmente não fazemos ideia do motivo que faz cada um ser a pessoa que é. p. 243

O famoso mistério enunciado pelo filósofo Schelling: Por que haveria de existir algo no universo, e não apenas o nada. p. 243

Em termos físicos, cada um de nós é um sistema, aprisionado em uma ininterrupta troca de matéria e energia com um sistema maior que é nosso planeta. p. 244

Como sistema físico, você depende tanto da natureza, neste momento, quanto seu fígado depende do resto do seu corpo. p. 245

Em termos físicos, você é um pouco mais do que um rodamoinho no grande rio da vida. p. 245

Qualquer privilégio que tentemos atribuir aos limites da nossa pele, na nossa busca pelo eu físico, parece profundamente arbitrário. p. 245

Será que a sua vontade de estar fisicamente em forma – ou seu gosto para roupas, sua noção de comunidade, sua expectativa de bondade recíproca, sua timidez, sua afabilidade, suas peculiaridades sexuais etc. – é algo que se origina de você mesmo? p. 245-246

Muitos desses fenômenos parecem não ser parte de “nós”, em última análise, tanto quanto as regras gramaticais do seu idioma. p. 246

A noção de ser um eu persiste. Se o termo “eu” se referir a alguma coisa, não será simplesmente ao corpo. p. 246

O “eu” é apenas o ponto de vista em torno do qual os estados mutáveis da mente e do corpo parecem se constelar, em termos vivenciais o corpo é algo com que o eu consciente, se é que isso existe, está em relação. p. 256

É provável que nossos pais tenham nos encontrado no berço bem antes de nós mesmos nos encontrarmos lá. p. 248

A busca do “eu” parece implicar um paradoxo: afinal, estamos buscando exatamente a coisa que está fazendo a busca. p. 249

Quase todos os nossos problemas podem ser atribuídos ao fato de que o ser humano é profundamente iludido pela sensação de ser separado. p. 249

Não há maior obstáculo a uma abordagem verdadeiramente empírica da experiência espiritual do que nossas crenças atuais acerca de Deus. p. 249

A tese de Jared Diamond: A civilização não se desenvolveu na África subsaariana porque não é possível selar um rinoceronte e montá-lo para entrar em batalha. A fé é mais ou menos como um rinoceronte: não ajuda muito no mundo real, mas mesmo assim exige toda a sua atenção se estiver bem perto. p. 250

Passamos a vida contando a nós mesmos a história do passado e do futuro, enquanto a realidade do presente permanece, de modo geral, inexplorada. p. 254

A religião não é nada mais do que maus conceitos, conservados no lugar de bons conceitos, para todo o sempre. É a negação – ao mesmo tempo cheia de esperança e cheia de medo – da vastidão da ignorância humana. p. 257

Na melhor das hipóteses, a fé religiosa torna as pessoas, mesmo as bem-intencionadas, incapazes de pensar racionalmente sobre muitas das suas preocupações mais profundas; e, na pior das hipóteses, é uma fonte contínua de violência entre os seres humanos. p. 259

Seja qual for o resultado de nossas divergências religiosas numa próxima vida, o certo é que essas diferenças têm um único término nesta vida – um futuro de ignorância e de chacinas. p. 260

A violência religiosa continua entre nós porque nossas religiões são intrinsecamente hostis umas com as outras. p. 261

Se um dia as guerras religiosas se tornarem inimagináveis para nós, da mesma forma que a escravidão e o canibalismo, será por conta de termos abandonado os dogmas da fé. p. 261

Ninguém deveria ganhar pontos no nosso discurso por iludir a si próprio. p. 262

O Deus de Abraão não apenas não merece a imensidade de toda a Criação; ele não merece sequer o homem. p. 263

Deve ser possível viver eticamente sem ter a pretensão de saber coisas sobre as quais somos absolutamente ignorantes. p. 263

Não é preciso haver um esquema de recompensas e punições que transcenda esta vida para justificar a nossa intuição moral, ou para torná-la um guia eficaz do nosso comportamento no mundo. p. 263

O homem não é a medida de todas as coisas. O universo está cheio de mistérios. p. 264

Nenhuma ficção tribal precisa ser repetida para percebermos, um belo dia, que nós de fato amamos nossos vizinhos, que nossa felicidade é inseparável da deles, e que nossa interdependência exige que as pessoas de todas as partes do mundo tenham a oportunidade de se desenvolver plenamente. p. 264

A psique humana tem duas grandes doenças: a necessidade de consumar vendetas pelas gerações afora, e a tendência de colar algum rótulo grupal nas pessoas, em vez de enxergar cada uma como um indivíduo. p. 265

Auschwitz, gulags e os campos da morte do Camboja não são exemplos do que acontece quando as pessoas se tornam demasiado críticas acerca de crenças não justificadas; ao contrário, esses horrores atestam os perigos de não pensar criticamente a respeito de ideologias seculares. Meu argumento contra a fé religiosa não é um argumento a favor da adoção cega do ateísmo como dogma. p. 268

Não conheço nenhuma sociedade na história humana que tenha sofrido porque sua população se tornou demasiado sensata. p. 268

Seria de espantar se uma atitude positiva diante da incerteza levasse, inevitavelmente, a convicções ridículas acerca da origem divina de certos livros, a tabus culturais bizarros, ao ódio abjeto pelos homossexuais ou ao status inferior da mulher. p. 269

Quando as provas para uma afirmação religiosa são inexistentes ou muito tênues, ou quando há provas eloquentes contra elas, as pessoas invocam a fé. p. 269

A fé é simplesmente, a licença que elas dão a si mesmas para continuar acreditando mesmo quando não há razões para isso. p. 270

Quando a investigação racional dá apoio a um credo, ela é defendida; quando representa uma ameaça a esse credo, ela é ridicularizada. p. 270

A política e a economia não fazem com que um homem decida se explodir no meio de um grupo de crianças enquanto sua mãe canta louvores a esse ato. Os milagres desse tipo em geral exigem a fé religiosa. p. 271

É hora de os muçulmanos – em especial as mulheres muçulmanas – perceberem que ninguém sofre tanto as consequências do islã como eles próprios. p. 272

A religião convence homens e mulheres inteligentes a não pensar, ou a pensar de uma maneira distorcida. E, mesmo assim, continua sendo tabu criticar a fé religiosa na nossa sociedade. O melhor em nós (a razão e a honestidade intelectual) tem que permanecer oculto, por medo de ofender alguém. p. 275

Não existe no Corão nenhum equivalente para o versículo do Novo Testamento “Dai a César o que é de César e a Deus o que é de Deus”. Assim, parece que não existe no islamismo uma base para a separação entre os poderes da Igreja e do Estado. p. 2279

A incompatibilidade entre nossas crenças religiosas já as torna suspeitas por princípio. p. 281

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